quinta-feira, 3 de setembro de 2015
Reflexões sobre argumentos contra a abstenção
No seguimento deste artigo, tentei examinar de perto alguns argumentos utilizados contra a abstenção expondo brevemente um ponto de vista pessoal.
1- a abstenção reforça o poder dos partidos corruptos.
- Falso. A abstenção é um forte sinal de descontentamento e desinteresse da população face ás escolhas que lhes são impostas de maneira tirânica. Quanto mais alta a abstenção, menor é o grau de legitimidade dos partidos políticos e por consequência a desacreditação da falsa democracia representativa.
2- os partidos políticos do poder, pagam a colaboradores para incitar o povo á abstenção
- Falso. Não teria então sentido a voz uníssona pela qual todos os dirigentes partidários e seus lacaios apelam ao voto, incluindo o próprio Presidente da Répública.
As elites oligárquicas e aristocráticas, vêm com maus olhos o descrédito e queda vertiginosa do próprio sistema que eles mesmo elaboraram em proveito próprio.
Pode-se explicar então de algumas maneiras o porquê do apelo dos aristocratas ao voto:
a) A incerteza. Talvez seja o maior inimigo dos políticos neste caso, deduz-se então que o apelo ao voto seja apenas uma reação pavloniana quando pressionados por essa mesma incerteza. Esta reacção poder-se ia exprimir pelo simples feito de a história nos ensinar que as premicias de uma revolução ou mudança é precedida de um ambiente de descontentamento geral da população. A abstenção é um dos parâmetros pelo qual se pode medir a amplitude desse descontentamento geral que sanciona a incompetência dos políticos.
b) O marketing. Vários estudos indicam que uma boa fatia dos eleitores escolhem em que partido votar momentos antes do voto. O incentivo ao acto eleitoral elevando como estandarte supremo os benefícios do acto democrático, do dever cívico, do pleno exercício da cidadania, é então dirigido especialmente para aqueles que tenham em mente a intenção ou a dúvida de se absterem. Muitos serão assim impulsionados a ir á sala de voto para cumprir seu "dever de cidadão". neste percurso, sem o saberem, estarão á mercê da propaganda dos médias de informação que vêm como uma oportunidade única de amealhar ainda mais votos para o seu candidato, escolhido pelo sistema e não pelos cidadãos. Repare-se igualmente, que a eficácia desta manipulação só pode ser amplificada momentos antes do voto, razão pela qual é sempre um dia antes da ida ás urnas que todos os políticos choramingam para que os cidadãos não se abstenham.
3- a abstenção é própria aos incultos e iletrados.
- Falso. Pode-se observar um fenómeno interessante, parece que quanto mais alta a taxa de alfabetização maior é a abstenção.
É sobretudo nos grandes conglomerados populacionais que se observam a maioria das abstenções, logo é nas zonas rurais onde o nível de alfabetização é estatisticamente mais baixo que os partidos pescam a maioria dos seus votos. Isto parece contrariar esse argumento de um modo geral.
É preciso mencionar que o nível de cultura (duvido que tal coisa possa ser medida) não é sinónimo de iletrado ou de um baixo nível escolar. Os que mencionam a abstenção como um acto próprio a incultos, parecem ser eles mesmos os mais incultos dentre os incultos usando este tipo de argumento.
Frases famosas, utilizadas contra a abstenção
4- a famosa frase de Platão "O preço a pagar pela tua não participação na política é seres governado por quem é inferior"
- Falso. Esta frase é falsamente atribuída a Platão. Pessoalmente desconheço quem a atribuiu ao filósofo e não faço ideia de onde surgiu. Que mesmo se fosse verdade, a dita "democracia representativa" não existia na sua época, portanto nunca se poderia referir a qualquer acto de "eleição" ou "voto", pois no seu tempo os dirigentes eram mandatados através de uma tiragem á sorte. O conceito de "eleição, voto, eleitor" e "representatividade" era totalmente desconhecido a Platão e seus congéneres (aqui não tenho a certeza do que digo, mas segundo as minhas leituras parece ser bem o caso).
A psicologia do voto e da abstenção
O voto pode ser considerado na verdade um acto irracional, acto desprovido de reflexão pois é induzido através de vários factores exteriores que o eleitor não tem o mínimo controlo, em especial a pressão constante dos médias de informação. Sendo assim a abstenção pode então ser considerada todo o seu contrário.
De um ponto de vista psicológico, o votante, sente no seu inconsciente a necessidade de espelhar a relação de dependência infantil. Tal e qual como os parentes lhe proporcionavam todo o bem-estar sem ter de se preocupar com o "depois", assim o eleitor enquanto apenas olha para o conforto momentâneo, faz acto inconsciente de desejar alguém que se preocupe com o seu futuro, que tome as decisões no seu lugar sem que seja obrigado a se preocupar com o "depois". Os bens materiais apenas lhe proporcionam viver o presente. O futuro é visto como algo indefinido e duvidoso. Em consequência outorgam a responsabilidade e a obrigação aos políticos para enfrentar o desconhecido.
Visto assim, o abstencionista é alguém que raciocina quanto ao futuro e não somente quanto ao presente. O não-desejo de deixar outros dirigir o seu destino logo se exprime psicologicamente por uma rejeição das urnas, uma sorte de corte umbilical e a forte convicção de poder tomar assim que possa as rédeas do seu próprio destino.
É também interessante observar que o fenómeno abstencionista é proporcionalmente crescente quanto mais incerto e obscuro for o futuro. Isso assinala um "acordar" para a realidade. É este "acordar" que tanto medo faz aos políticos.
Uma questão deve ser posta então : Por quanto tempo os políticos corruptos ainda conseguirão manter uma sociedade dormente ?
Autor: Gang2 Ervilha
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Olá. Gostei de ler este artigo, está muito bom.
ResponderEliminarPouco tenho para acrescentar.
Posso comentar que existem alguns fenómenos interessantíssimos ligados à abstenção, como os... ELEITORES FANTASMA, mas ainda não percebi a razão porque existem. Há pessoas que dizem que os cadernos eleitorais não são atualizados com a frequência devida, e que isso contribui para a abstenção. A ser verdade, porquê raramente se atualiza os cadernos e qual é o interesse que hajam estes tais eleitores fantasma ?
Posso dizer que sou um abstencionista convicto (defendo a democracia-directa), e tenho um curso superior com média final muito boa e dois cursos técnico-profissionais, um deles tirado no estrangeiro e já ganhei um prémio literário. Se isto é ser inculto...
Sobre se o Platão conhecia a representatividade, embora tentar descobrir.
Dando uma olhada aqui:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Clístenes e https://pt.wikipedia.org/wiki/Platão
Posso perceber que:
Clístenes nasceu em 565 AC e morreu em 492 AC
E o Platão nasceu em 428/427 AC e morreu em 348/347 AC
Então o Platão é vivo depois de Clístenes, então suponho que conhecia a democracia directa.
Quando acabou a democracia direta em Atenas ?, se bem me lembro foi quando Atenas perdeu a sua independência e entrou na liga de Corinto.
Pesquisa no google e achei uns links que contam a história:
http://www.stoa.org/projects/demos/article_democracy_overview?page=10&greekEncoding=
http://www.pbs.org/empires/thegreeks/background/48.html
Parece que o governo baseado na democracia direta em Atenas não durou assim muito tempo, em 338 BC Atenas foi derrotada na batalha de Charonea, e foram forçados a entrar na liga de Corinto, o que provocou que Atenas nunca mais controlasse os seus destino de forma isolada.
Então se em 338 Atenas entra para a liga de Corinto, e o Platão morre em 348 AC, 10 anos antes. Então sim, ele não deve ter conhecido a “democracia representativa”. Suponho que foram sendo criadas algumas representatividades ao longo do tempo que este sistema de democracia direta esteve em vigor, mas não deve ter conhecido um sistema representativo “puro e duro”, se tiver enganado corrijam-me.
Também gostava que um novo sistema social e político aparecesse, mas espero que seja um utópico e não um distópico. E gostava que fosse para ontem.
Há um conto que mostra um futuro possível que me assusta:
http://marshallbrain.com/manna1.htm
Que futuro vamos ter na próxima década ? mais do mesmo ou mudanças ?
Eu quero mudança, só que só uma andorinha não faz a primavera.
Vivas! Sim, os ditos "eleitores fantasma" aumentam as estatísticas da abstenção uma boa percentagem que não corresponde em nada á realidade. Eu tentei desvendar esse fenómeno estranho para perceber se haveria uma jogada suja que pudesse favorecer os partidos. Na medida que é impossível repetir votos ou votar mais de uma vez, e visto que um eleitor fantasma não pode apresentar sua carta de identidade para poder votar, então pensei que isso não terá influência nem para um lado nem para o outro. Isto dito, na realidade nada impede que os responsáveis das urnas agarrem nos boletins de voto correspondentes ao número de "eleitores fantasma" e votem a favor de um partido. Como vivemos num país corrupto até á raíz, não me admirava nada que assim fosse...acho mesmo provável que assim seja embora não tenha a certeza absoluta.
ResponderEliminarQuanto á incultura e literacia, claro que nada pode ser mais falso. Este tipo de argumentos débeis espalham-se pela internet como um vírus. Tentei aprofundar a sociologia dos abstencionistas e uma coisa ressalta aos olhos: cada vez mais jovens universitários optam pela abstenção. E este número tem tendência a crescer á medida que as pessoas se rendem conta que qualquer coisa não bate certo neste Estado completamente abandalhado e nada credível. Aos poucos e poucos as pessoas começam a acordar.
Não, não creio que Platão tenha conhecido o que é essa coisa de "voto" ou "eleitor". A noção de "democracia representativa" nasceu 20 anos depois da independência americana. É coisa muito recente e inexistente no passado. Logo no principio da independência, a palavra "democracia" era utilizada pelos aristocratas americanos num sentido muito pejorativo. Para atacarem um partido adverso serviam-se com toda a naturalidade da palavra "democracia". Foi apenas com o 7º Presidente americano, Andrew Jackson, que a noção de "democracia" se impôs e muda completamente de sentido. Antes o regime era nomeado apenas de "Répública", o republicano e jamais "democrata". Mesmo James Madison, o 4º Presidente, do qual eu tenho uma citação logo no principio do blog, era um anti-democrata. Madison criticava a "eleição" e ele mesmo anos candidatou-se e foi eleito precisamente através do que antes criticara. Não impede que antes de se agarrarem ao poder ou saírem do poder, alguns fizeram lindas frases, com muito sentido e objectivas. Por exemplo o caso de Thomas Jefferson, que assim que ficou de fora do círculo político e já no fim da sua vida, começou a defender a "democracia" que ele mesmo atacara quando esteve no poder. As frases que rodam aí na net da autoria de Jefferson são todas escritas já no fim de sua vida. Isto para resumir, que quando acedem ao poder, mudam de personalidade como um bébê muda de fraldas todos os dias.
Portanto com certa segurança pode-se dizer que Platão não conhecia a noção de "democracia representativa". E essa dita famosa frase não consta na "Répública de Platão". É uma invenção de alguém que a espalhou na net como proveniente de Platão.
Se não estou em erro, a democracia ateniense foi totalmente extinta depois da invasão romana. Após a victória de Sparta, a democracia foi substituída por uma oligarquia. em seguida á conquista de Philipe, depois á morte de Alexandre e fragmentação do Império, Demetrius Poliorcetes restabeleceu a democracia ateniense. Acho que somente depois das conquistas romanas desaparece completamente.
EliminarIsto dito, o regime democrático Ateniense é o mais conhecido, mas não é o único da antiguidade. Algumas tribos de Índios quando da chegada de colonos na América, praticavam a democracia directa sem por tanto terem conhecido os gregos. Na Índia antiga também se praticou a democracia directa. Várias tribos africanas igualmente. Creio então que deva ser um dos regimes naturais da humanidade contrariamente á recente "representatividade" que é uma elaboração artificial que visa apenas a substituir o monarca (presidente) e a corte (parlamento) com palavras mais dóceis para enganar o cidadão. Mudam apenas os nomes, mas os métodos são os mesmos.
Quanto ao futuro, pessoalmente penso que apesar das pessoas começarem a "acordar" não será o suficiente para provocar uma mudança. Acho que só mesmo quando a comida faltar no frigorífico para sustentar a família, aí é que todos irão acordar, de olhos bem abertos e será aberta a caça ao político corrupto. Sinceramente não vejo um bom futuro para os políticos...esses Barrosos, Coelhos, Sócrates e lacaios vão sofrer. Nem sei se terão tempo de se pisgarem do País. Contrariamente ao que se diz, pelo passado e histórico de nossa Nação, nós não somos um povo de brandos costumes...e já resolvemos problemas ainda mais graves do que uns simples políticos que pensam poder meter a mão ao bolso dos contribuintes eternamente. Caso nada disto aconteça, certamente vamos direitinhos a uma tirania comandada por Bruxelas. Uma espécie de comunismo estilo União Europeia.
É interessante notar que a história da democracia grega começou justamente por causa das dívidas que os cidadãos tinham para com os oligarcas abusadores e exploradores ;)
Devias abrir um blog, porque tens muito boas ideias a serem exploradas. Abre um blogspot.
Abraços
Olá.
ResponderEliminarSobre os eleitores FANTASMA, encontrei este link:
Eleitores-fantasma valem dinheiro
http://www.dn.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id=1770286
“ Acho que somente depois das conquistas romanas desaparece completamente. “
Sim, a democracia em Atenas, dependia da sua independência, e com a conquista por Roma isso acaba. Roma por seu lado teve vários experimentos em governo, existe a Roma do Senado e a Roma dos Imperadores.
Contudo podem existir abusos num sistema democrático, por exemplo imagina que vives num prédio com 20 famílias, e essas juntam-se numa reunião e decidem que tu, e só tu, pagas todas as despesas do prédio. Isto é uma decisão democrática, mas injusta, e insustentável, pois de certeza de “bazavas” do prédio o mais rápido possível. Por isso é que existe a “República” REX PULICA, uma lei geral (constituição) que define termos que evitam os abusos. Ou seja mesmo com uma democracia, deve haver termos acordados para prevenir abusos.
“É interessante notar que a história da democracia grega começou justamente por causa das dívidas”
Vamos ver se a história se repete.
“Devias abrir um blog, porque tens muito boas ideias a serem exploradas. ”
Já abri no passado, mas tinha poucos seguidores, uns 200 por dia, não vale a pena passar horas a escrever e a atualizar coisas para meia dúzia de gatos pingados, é frustrante. :D
Talvez um dia volte a fazer, mas não nos tempos mais próximos.
Obrigado
Fica bem
Sim, podem valer dinheiro, mas não estão lá para votar. A menos como eu disse acima, que os delegados das urnas sejam corruptos e votam no lugar de alguns eleitores-fantasma par amealhar mais uns votos para os seus partidos. Mas mesmo assim não creio que possam fazer a diferença se tal seja o caso.
ResponderEliminar