"Hé, hé! Deixa-me cá contar quanto é que roubei ao goy" |
Continuação da 5ª parte
É neste mundo sólido e estável que os Judeus vieram dar o assalto. É a esta organização e a esta mentalidade económica que nós os observamos a dar golpes incessantes. As queixas dos comerciantes cristãos repousam sobre factos incontestáveis, e nós temos a prova não somente na concordância dos testemunhos, mas também na maneira em que as queixas são apresentadas e formuladas.
Seriam os Judeus os únicos a adoptarem uma posição contra o direito e a moral ? Será que somos autorizados a estabelecer uma distinção de principio entre o “comércio judeu” e o comércio não-judeu, qualificando este de comércio “sem consistência”, inclinado à mentira e à fraude, à violação das leis e da ordem estabelecida, e declarando-o como estrangeiro a todo o procedimento irrepreensível ? É certo que em principio os produtores e comerciantes cristãos deviam, eles também, violar mais de uma vez as prescrições do direito e da moral. A tendência a essas violações é muito inerente à natureza humana para que possamos afirmar que na época em que nós nos ocupamos tenha sido em geral melhor e mais honesta, mais consciente do seu dever que em outras. Só o número estonteante de ordenanças e de interdições que englobavam a vida económica de então é para nós uma prova que a tendência à desonestidade e à injustiça não devia ser negligenciada nos homens de negócios da época. Mas nós possuímos ainda uma grande quantidade de outros testemunhos donde ressalta que a moral comercial não apresentava então um nível muito elevado.
Logo que percorremos o Dictionnaire des fraudes que nós já citámos, livro que era muito lido no séc.18 (editado no principio desse século, teve várias edições em alguns anos) sentimos um verdadeiro mal-estar. Temos a impressão que o mundo inteiro é dominado pela fraude. Mesmo admitindo que esta impressão resulta da reunião num pequeno espaço de inúmeras possibilidades de fraude, não deixa de ser claro que a fraude e o engano deviam ser procedimentos muito em voga nessa época. É assim, por exemplo, que, segundo o autor de Allgemeine Schatzkammer der Kaufmannschaft (1742), “encontra-se hoje muitas poucas mercadorias que não tenham subido uma sofisticação” 45. Mais de um decreto do Império (como aquele de 1497), várias ordenanças de polícia (por exemplo, aquela de Augsbourg, de 1548) e ordenanças das corporações de comerciantes (por exemplo, aquela de Lübeck, de 1607) são dirigidas expressamente contra a sofisticação das mercadorias. E tanto que as mercadorias não fossem de primeira qualidade, a maneira de conduzir os negócios em geral deixava muito a desejar sob o ponto de vista da honestidade. Para os homens do séc.17 e do séc.18, a bancarrota fraudulenta devia ser um problema que se punha frequentemente, e de uma solução difícil. A todo o instante, nós entendemos as queixas ao sujeito da sua frequência 46. O relaxamento da moral comercial dos comerciantes ingleses do séc.17 era um facto universalmente reconhecido 47. Falsificações e fraudes eram “the besetting sin of English tradesmen”. “Nossos compatriotas, dizia um escritor do séc.17 48, dão a compreender a todo o mundo, pela sua subidas exageradas de todos os preços, que não hesitariam, se pudessem, a enganar toda a gente” (“by their infinite over-asking for commodities proclaim to the world that they would cheat all if it were in their power”).
Mas o que existe em tudo isto especificamente de judeu ? Será que podemos falar de uma maneira especifica judaica de se comportar em relação às regras estabelecidas ? Eu penso que sim e que a “transgressão das leis” especificamente judaica manifesta-se principalmente no facto de que nas violações do direito e da moral cometidas pelos Judeus não é questão de imoralidade acidental de um individuo sem escrúpulos, mas sim a manifestação da mentalidade comercial judaica, da sua maneira de compreender a conduta dos negócios. Da acção prática geral e contínua de certos actos, nós estamos em direito de concluir que os Judeus, em vez de considerarem como imoral e interdita esta maneira de agir, contrária às regras, estavam persuadidos, agindo como o faziam, que eles opunham uma verdadeira moral, um “direito verídico” a um sistema de direito e de moral absurda. Isto não se aplica naturalmente aos casos onde era questão de graves atentados contra a propriedade. É no mínimo necessário insistir sobre a diferença que existe entre os mandamentos e interdições sobre, por exemplo, à instituição mesmo da propriedade como tal (e isto aplica-se naturalmente também a toda a instituição jurídica) e os mandamentos e interdições sobre certas formas e certos modos de usufruto do direito de propriedade. As violações das primeiras serão consideradas como ilegais e sujeitas a punição, tanto quanto a propriedade existirá; quanto às violações das ultimas, elas serão julgadas diferentemente, segundo as concepções, variáveis de uma época à outra, sobre o modo de usufruto da propriedade (interdição da usura, usufruto privilegiado, etc.).
Na sua maneira de se comportarem nos negócios, os Judeus cometiam violações em uma e outra dessas categorias. Sem dúvida, os Judeus não se atardaram em recorrer anteriormente aos procedimentos considerados como ilegais no sentido próprio, puramente jurídico da palavra, logo que por exemplo (coisa que ninguém cessava de os acusar), eles livravam-se à dissimulação e comércio de mercadorias explicitamente roubadas 49. Mas essas práticas criminais no sentido próprio da palavra estavam longe de ser aprovadas pela maioria dos Judeus. Existia entre eles, tudo como os Cristãos, suficientemente de gente honesta para reprimir e condenar as práticas desse tipo. Por vezes essas práticas constituíam por assim dizer a especialidade de certos grupos determinados do povo judeu, mais ou menos suspeitos aos seus correligionários judeus cujas ideias sobre o direito e a moral aproximava-se bastante da dos Cristãos, para que eles sentissem, em presença de tais práticas, a mesma indignação que estes. A história dos Judeus de Hamburgo fornece-nos exemplos interessantes nos quais se manifestava esta oposição entre as concepções morais dos diferentes grupos da população judaica. A comunidade portuguesa desta cidade assume, no séc.17, frente às autoridades a responsabilidade da conduta comercial dos Judeus alemães recentemente imigrados. Assim que instalados, os “Tedescos” deviam assumir perante os “Portugueses” a responsabilidade de não aceitar objectos roubados e de não se livrarem aos negócios desonestos em geral.
Desde o ano seguinte, os representantes dos “Tedescos” foram convocados perante o “Mahamad” (presidente da comunidade dos “Sefarditas”), para responder a certas violações dos acordos concluídos. Uma outra vez, eles foram convocados por causa de uma compra, a uns soldados, de objectos que estes tinham roubado 50.
Nós devemos portanto, se quisermos saber em que consistia a moral comercial especificamente judaica, começar por eliminar (sem portanto exagerar a importância) aquelas violações do direito e da moral que provocavam a reprovação da maioria dos Judeus eles mesmos e ter só em conta aquelas que supunham o concensus omnium do mundo dos negócios judaicos em geral, e são estas transgressões, desta ultima categoria, que nos permitirão concluir da existência de uma mentalidade económica especificamente judaica.
Ora que vemos nós ?
Em primeiro lugar, o Judeu apresenta-se a nós como o homem de negócios puro, como o homem que, em negócios, só conhece os negócios e que, se conforma ao espírito da verdadeira economia capitalista, proclama, em presença de todos os fins naturais, a primazia do ganho, do lucro, do beneficio.
Notas:
45. Allgemeine Schatzkammer, vol. 4 (1742), p. 666.
46. See, for instance, Mercier, Tableau de Paris, vol. 2, p. 71.
47. Samuel Lambe, in his scheme for a national bank [see note 22, Chapter 6] speaks of the low commercial morality of English merchants as compared with the reliability of (say) the Dutch
48. Owen Felltham in his Observations (1652), quoted by Douglas Campbell, The Puritan in Holland, England, and America, vol. 2 (1892), p. 327.
49. This accusation was levelled against the Jews from the early mediaeval period down almost to this very day. Cf. G. Caro, Sozial- und Wirtschaftsgeschichte der Juden, vol. 1 (1908), p. 222; Bloch, op.cit., p. 12; article “Juden,” in Allgemeine Schatzkammer; von Justi, Staatswirtschaft, vol. 1 (1758), p. 150. For Germany more especially, see Liebe, Das Judenthum in der deutschen Vergangenheit (1903).
50. According to a Minute Book of the Portuguese community in Hamburg — A. Feilchenfeld, “Die alteste Geschichte der deutschen Juden in Hamburg,” in Monatsschrift, vol. 43 (1899), p. 279.
PS: as partes 1 a 5 podem ser descarregadas aqui : https://drive.google.com/file/d/0B2kgizPDAAx0RHBLLXZoU21zM0E/view