A Rússia não é apenas uma grande potência militar, uma velha nação, inclinando-se, desde a chegada de Vladimir Putin á sua cabeça, a equilibrar as relações de forças geopolíticas e económicas. Ela é também uma ponte natural, em diferentes graus, entre a Europa e a Ásia, o Ocidente e o Oriente. Esta ponte, alguns tentam destruí-la há mais de um século, sobretudo por meio destas armas que são as ideologias da modernidade: o bolchevismo, uma doença mortal que atacou o coração da Rússia, á sua alma, o Cristianismo; e o ultra-liberalismo dos anos 1990, para acabar com a Rússia. A isto adicionaram-se os independentismos de regiões da Federação Russa, estimuladas ou incentivadas pelos Estados Unidos para derrubar definitivamente o urso russo. Se a Rússia recuperou, devemos entender as causas e perceber o papel assim como o destino da Rússia.
Antropologia, religião e geopolítica
O retorno "milagroso" do cristianismo na Rússia não é o resultado de um acidente da História, mas a manifestação de leis antropológicas fundamentais que devem atirar a atenção dos europeus. Toda a sociedade está organizada em torno de uma crença colectiva maioritária; as mais resistentes são, claro, as grandes religiões que, especialmente a partir da era industrial foram substituídas gradualmente por crenças profanas, materialistas e efémeras, como as utopias comunistas e liberais (nascidas do messianismo judaico) prometendo um paraíso terrestre, ou ainda os ídolos de dinheiro, sexo e violência, que ocupam um lugar importante nas sociedades neoliberais. As ideologias anti-religiosas, como o comunismo e o laicismo, que só existem, por definição, em oposição ás religiões transcendentais , contrafortes contra a crença em um Deus transcendente.
Mas a história e a antropologia ensina-nos que o ateísmo (crença negativa), quando se torna maioritária, leva a um colapso inexorável da sociedade - não ter que depender mais da religião ou moralidade estável - traduz-se pela atomização da sociedade e do surgimento de indivíduos [1] sem qualquer horizontalidade (comunidade, família, ekklesia), pois privados de verticalidade; ambos são complementares do nosso ponto de vista.
A sequência histórica que a Rússia atravessou mostrou-nos como o súbito colapso do comunismo - a ideologia dominante não pode continuar através da manutenção da estrutura que lhe serve de fundamento - deu lugar ao retorno da religião tradicional na Rússia (a natureza tem, de acordo com Lavoisier, um horror sagrado do vazio), ou seja, o cristianismo. Isso permite-nos desde já antecipar a manifestação do mesmo fenómeno no Ocidente e na Europa em particular. Na verdade, o sistema liberal e a sua ideologia estão visivelmente em curso de colapso (ou mais precisamente em curso de mutação, mas não vamos desenvolver esse tema aqui) - desde a crise financeira de 2007-2008 - tudo como o comunismo de ontem; neste contexto, nós podemos antecipar um retorno iminente á religião na Europa. No entanto deve-se temer que esse retorno incontrolado (por aqueles que têm a responsabilidade: a hierarquia eclesiástica) á crença em Deus ou algo semelhante, não leve a derivas perigosas, tais como a proliferação de gurus e impostores de todos os tipos. A Rússia conseguiu o seu retorno à ortodoxia graças a uma Igreja sólida, que faz corpo com o povo e o Estado.
O que precede leva-nos a concluir que a Rússia - para além da sua complementaridade económica com a Europa Ocidental - poderia ser um elemento de estabilização numa Europa levada a conhecer graves agitações sociais, políticas e de identidade... Adicionado a isso, o papel eminentemente importante que a Rússia desempenha no Médio-Oriente. Ela é uma autêntica ponte entre a Europa e o Oriente, o Cristianismo e o Islamismo - como bem o analisou Imran Nazar Hosein - como uma grande nação multi-étnica e multi-religiosa; ela é, pelo seu só exemplo, um remédio potencial á estratégia do choque de civilizações, uma estratégia que ela mesma é um dos primeiros alvos.
A estratégia anti-Russa
Esta Rússia cristã, esta Rússia de poder continental, telúrocrática, estende uma influência natural sobre uma vasta área geográfica habitada por diversas populações mas tendo paradoxalmente, a maioria delas, uma estructura familiar de tipo russo, comunitária igualitária [2]; é essa relativa homogeneidade antropológica que, a longo prazo, tem permitido a Rússia poder tornar-se este "império natural", em contraste com o seu inimigo, a potência americana talassocrática, herdeira do Império britânico e portadora de uma ideologia diferencialista, impregnada de darwinismo social sob coberto de um democracismo fundador.
A Rússia faz face a uma dupla estratégia: uma estratégia imperial americana cujo principal cérebro é Zbigniew Brzezinski, e por outro, que deve bem ser nomeada especificamente de "sionista". Se a estratégia de contenção e de desmantelamento da Federação Russa preparada por Brzezinski no seu livro The Grand Chessboard (1997/2002), tornou-se óbvio aos olhos de todos os observadores, a estratégia sionista, ela, é muito mais obscura.
A estratégia geopolítica de Brzezinski é um meio-sucesso: em termos de dominação do coração da Europa pela submissão total da França e da Alemanha, é coisa feita, mas quanto ao desmembramento da Rússia em províncias, que possam permitir aos americanos controlar toda a Euroásia e controlar os recursos naturais, principalmente as energias fósseis, isso está na ordem da fantasia.
Os sonhos de dominação de Brzezinski quebraram-se no muro russo, sob o soberano Putin. Mas a crise na Ucrânia - país que Brzezinski dera especial atenção e queria ver absolutamente separada da Rússia; assim ele escreve: "A independência da Ucrânia modifica a própria natureza do estado russo. Por essa única razão, este novo quadro importante do tabuleiro euro-asiático é um centro geopolítico. Sem a Ucrânia, a Rússia deixa de ser um império na Euroásia." [3] - mostra que os americanos não abandonaram de nenhuma maneira o seu projecto. Até agora, a Rússia de Putin manteve o insucesso dos americanos tanto na Síria (em Setembro de 2013 a Casa Branca renunciou in extremis as suas operações de bombardeio) e pelo retorno espectacular da Crimeia á casa russa (Março 2014) em plena crise ucraniana.
A estratégia sionista para a Rússia combina-se com a estratégia americana, mas em nenhuma circunstância ela opõe abertamente ou directamente Israel á Rússia, pelo contrário. Israel mantém boas relações diplomáticas com a Rússia, tudo em opondo-se aos seus aliados no Levante (a Síria). Israel, via o lobby pró-israelita [4], utiliza, em particular desde o 11 de Setembro de 2001, os Estados Unidos e a NATO como um instrumento de destruição dos aliados históricos da Rússia no Médio-Oriente, opondo ainda mais russos e americanos. Em paralelo, os dirigentes sionistas tentam, através de intermediários, negociar com a Rússia afim de abandonar os seus aliados sírios e iranianos. Em Julho de 2013, o príncipe Bandar, como representante da Arábia Saudita (aliado de Israel), reuniu-se com Vladimir Putin, durante a crise síria. Bandar durante a reunião teria proposto um acordo económico, petróleo e gás para Vladimir Putin, em troca, ele deveria deixar cair o Irão, abandonar o presidente sírio e livrar a Síria aos terroristas. [5]
Esta estratégia sionista indirecta ou de "contorno" transparece quando Henry Kissinger declara no 11 Maio de 2014 que não se deve isolar a Rússia, mas que "é do interesse de todos que ela seja mantida no sistema internacional". Em 2008, ele foi mais específico quanto ás suas intenções quando ele estendeu a mão á Rússia em detrimento do Irão que ele designa como "um perigo para o mundo vizinho". E por "mundo vizinho" tem de se claramente entender Israel [6]. Kissinger reuniu-se com Putin em 2009 e em Janeiro de 2012, dois meses antes da sua reeleição á presidência da Rússia [7].
A mão que os sionistas estendem á Rússia, é uma mão "traidora", porque, a partir do momento em que a Rússia recusou todo o compromisso e colocou-se como um escudo em frente da Síria, o fogo acendeu-se na Ucrânia. A mensagem entregue à Rússia era clara: ou ela abandona os seus aliados orientais para os livrar geograficamente, politicamente, etnicamente e confessionalmente ao destino da grande estratégia do império Norte-Americano (em benefício imediato de Israel); ou ela ver-se-ia atacada nas suas fronteiras. Mas essa escolha que lhe foi proposta é uma armadilha, porque se a Rússia abandonasse a Síria, ela perderia o seu único porto e ponto de apoio estratégico no Mediterrâneo (Tartous), o que não impediria que os Americanos mantivessem a sua política de "contenção" da Rússia, pelo contrário. Na verdade, esta concessão sairia muito cara para a Rússia face a um inimigo que pouco ou nada mantém a sua palavra.
Resumindo, a Rússia tem todas as razões para não fazer concessões e avançar um peão a cada vez que se sinta atacada ou ameaçada. Ainda assim, o actual jogo de xadrez, chegará provavelmente a seu "termo", Israel começa a revelar as suas intenções em relação à Rússia; enquanto Putin autoriza a entrega de mísseis defensivos S-300 ao Irão (Abril de 2015), Israel prepara-se a enviar armas para a Ucrânia afim de alimentar o fogo [8] que dorme desde os acordos de cessar-fogo de Minsk II (12 de Fevereiro de 2015).
Só compreendendo esta junção estratégica americana e sionista em relação á Rússia é que podemos esperar interpretar da melhor maneira as posições de alguns geopolíticos que, desde Kissinger, defendem uma mão estendida á Rússia enquanto continuam a ser hostis aos seus aliados... tudo em alimentando o fogo por baixo dessa mesma mão na guerra do Donbass.
A Rússia até agora não caiu nesta armadilha e não enfraqueceu face á evidente e dissimulada agressão americana, manteve-se na sua linha. Assim pode-se ter certeza de que ela jogará um papel cada vez mais determinante no Médio-Oriente e na Europa, em detrimento das políticas expansionistas e desestabilizadoras das elites sionistas e dos seus homólogos atlantistas. O destino da Rússia está assim bem traçado, quanto á Europa Ocidental, o assunto parece fechado, no entanto, poderia muito bem ser aberto em caso de uma grave crise, numa agitação política e social. A Rússia deve e deverá estar bem atenta.
Notas:
[1] Ver os trabalhos do antropólogo e historiador Emmanuel Todd no seu livro Après la démocratie, Gallimard, 2008.
[2] Emmanuel Todd, Après l’empire, Folio Actuel, 2002.
[3] Zbigniew Brzezinski, Le grand échiquier, Bayard Editions, 1997, p. 74.
[4] John J. Mearsheimer et Stephen M. Walt, Le lobby pro-israélien et la politique étrangère américaine, La Découverte, 2007.
[5] Al Manar, Ce qui n’a pas été révélé de la rencontre orageuse Bandar-Poutine, 21 août 2013.
[6] Sputnik, Henry Kissinger considère que les Etats-Unis doivent rechercher l’entente avec la Russie, 7 mai 2008.
[7] Fonte : http://fr.rian.ru/world/20120120/19…
[8] Sputnik, Poutine met Israël en garde contre les livraisons d’armes à Kiev, 18 avril 2015.
Fonte: arretsurinfo.ch Autor: Youssef Hindi (4 Setembro 2015)
Sobre o autor:
Youssef Hindi é marroquino, muçulmano sunita, escritor, pesquisador e historiador, e um dos poucos muçulmanos que compreende aonde o sionismo quer chegar através dos distúrbios do Médio-Oriente e da invasão da Europa pela imigração. E talvez um dos raros, senão o único, que detalhou através de fontes judaicas, as origens do sionismo á cabala do séc.13 e consequentemente a ideia de "choque de civilizações" : o "abre-caminho" para a concretização do projecto messiânico sionista.
Este tipo de muçulmanos, de olho bem aberto, são muito raros, e é precisamente com estes que é mais que desejável, mesmo imperativo, uma união que possa fazer frente á judiaria. Não podemos prescindir daqueles que pensam como nós e defendem exactamente os mesmos ideais apesar de terem crenças religiosas diferentes.
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quarta-feira, 16 de dezembro de 2015
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